A Carta para a Participação Pública em Saúde, publicada sob a forma de Lei (Lei n.º 108/2019 de 9 de setembro) estabelece os princípios orientadores da participação dos utentes nos processos de decisão que afetem a saúde das populações e consolida a participação pública a nível político e dos diversos organismos do Estado.

Artigo 1.º
Missão e objetivos

1 — A Carta para a Participação Pública em Saúde, doravante designada por Carta, pretende fomentar a participação por parte das pessoas, com ou sem doença e seus representantes, nas decisões que afetam a saúde da população, e incentivar a tomada de decisão em saúde assente numa ampla participação pública.
2 — A Carta pretende ainda promover e consolidar a participação pública a nível político e dos diferentes órgãos e entidades do Estado, em Portugal, através do aprofundamento dos processos de participação já existentes e da criação de novos espaços e mecanismos participativos.
3 — Desta forma, a Carta contribui para:
       a) Promover e defender os direitos das pessoas com ou sem doença, em especial no que respeita à proteção da saúde, da informação e da participação;
       b) Informar as entidades públicas sobre as prioridades, necessidades e preocupações das pessoas com ou sem doença e seus representantes;
       c) Tornar as políticas de saúde mais eficazes e, consequentemente, obter melhores resultados em saúde;
       d) Promover a transparência das decisões e a prestação de contas por parte de quem decide;
       e) Aproximar o Estado e a sociedade civil, aprofundando o diálogo e a interação regular entre ambos;
       f) Legitimar as decisões sobre a avaliação custo-efetividade e os dilemas éticos colocados pelas inovações tecnológicas.

Artigo 2.º
Princípios

A participação pública em saúde deve assentar nos seguintes princípios:
       a) Reconhecimento da participação pública como direito das pessoas com ou sem doença e seus representantes;
       b) Reconhecimento das pessoas com ou sem doença e seus representantes como parceiros nos processos de tomada de decisão;
       c) Reconhecimento da importância do conhecimento e da experiência específicos da pessoa com ou sem doença;
       d) Autonomia e independência das pessoas com ou sem doença e seus representantes nos processos;
       e) Transparência e divulgação pública dos processos participativos;
       f) Criação das condições necessárias à participação;
       g) Complementaridade e integração entre instituições e mecanismos da democracia representativa e da democracia participativa.

Artigo 3.º
Âmbito

1 — A participação pública das pessoas com ou sem doença e seus representantes compreende a tomada de decisão no âmbito da política de saúde e outras políticas relacionadas, tanto ao nível dos respetivos ministérios, incluindo os serviços integrados na administração direta ou indireta do Estado, órgãos consultivos e outras entidades relacionadas com a saúde, como da Assembleia da República e conselhos nacionais na área da saúde que funcionam junto desta, assim como dos órgãos do poder local.
2 — A participação pública das pessoas com ou sem doença e seus representantes aplica-se a todas as entidades ou sistemas que prestem serviços de saúde, incluindo o sistema nacional de saúde, entidades privadas, com ou sem fins lucrativos, e entidades do terceiro sector.
3 — A participação pública das pessoas com ou sem doença e seus representantes abrange, nomeadamente, as seguintes áreas:
       a) Plano Nacional de Saúde e programas de saúde;
       b) Gestão do SNS, incluindo recursos humanos, materiais e financeiros, e organização da prestação dos cuidados de saúde, através dos agrupamento de centros de saúde e dos hospitais;
       c) Orçamento do Estado para a saúde;
       d) Avaliação de tecnologias de saúde;
       e) Avaliação da qualidade em saúde;
       f) Normas e orientações;
       g) Ética e investigação em saúde;
       h) Direitos das pessoas com ou sem doença e seus representantes.

Artigo 4.º
Linhas orientadoras

Os processos participativos no âmbito da tomada de decisão em saúde devem respeitar as seguintes orientações:
       a) Envolvimento de todas as partes interessadas e afetadas, incluindo as mais vulneráveis;
       b) Garantia de diversidade e paridade nos processos participativos;
       c) Estabelecimento de critérios transparentes de escolha das pessoas e organizações que
neles participam;
       d) Rotatividade das pessoas e organizações que neles participam;
       e) Dinamização e democracia;
       f) Formalização;
       g) Diversificação das formas e oportunidades de participação;
       h) Implementação de mecanismos adaptados a populações específicas;
       i) Promoção da sua autonomia e independência e das pessoas e organizações que neles
participam, evitando a cooptação pelo sistema;
       j) Acompanhamento permanente, incluindo dos seus resultados, envolvendo as pessoas e organizações que neles participam;
       k) Integração entre as suas modalidades municipais, regionais e nacionais, quando existam;
       l) Divulgação pública e em tempo útil de informação relevante sobre saúde e os próprios processos, no que respeita a oportunidades, critérios, formas, resultados, conclusões, em linguagem simples, objetiva e em formatos acessíveis;
       m) Elaboração de um relatório anual sobre a participação pública em saúde, envolvendo as pessoas e organizações que neles participam;
       n) Disponibilização dos recursos humanos, materiais e financeiros necessários à participação;
       o) Eliminação das barreiras financeiras, geográficas e/ou culturais e linguísticas à participação;
       p) Desenvolvimento de ferramentas necessárias para envolver amplamente as pessoas com ou sem doença e seus representantes;
       q) Incentivo e promoção de ações e programas de apoio institucional, formação e qualificação em participação pública para decisores, profissionais de saúde e pessoas com ou sem doença e seus representantes;
       r) Desenvolvimento de programas de investigação sobre a participação pública e os mecanismos mais eficazes para assegurar a participação na tomada de decisão em saúde, envolvendo as pessoas e organizações que neles participam;
       s) Dinamização da cooperação internacional na área da participação pública em saúde, através da partilha de conhecimento e ferramentas, incluindo boas práticas para a participação das pessoas com ou sem doença e seus representantes.

Artigo 5.º
Formas de participação

1 — A participação pública na tomada de decisão em saúde deve contemplar mecanismos de participação presencial e remota, quer de iniciativa das instituições do Estado e privadas quer das pessoas e organizações que participam.
2 — A participação pública deve ainda ser operacionalizada de forma sistemática, através de mecanismos diversos, de forma a ir ao encontro das especificidades de todas as partes interessadas e afetadas e promover uma participação ampla e diversificada, nomeadamente através de:
       a) Reuniões públicas;
       b) Audições públicas;
       c) Consultas públicas;
       d) Representação em conselhos consultivos, comissões ou grupos de trabalho especializados ou setoriais, no âmbito da política de saúde e políticas relacionadas, tanto a nível nacional como regional e municipal;
       e) Conselhos da comunidade, junto das diversas entidades e serviços relevantes no âmbito da política de saúde e políticas relacionadas;
       f) Comissões de utentes;
       g) Conselhos municipais de saúde;
       h) Conselho nacional para a participação em saúde;
       i) Fórum nacional sobre participação em saúde;
       j) Plataformas digitais para a participação pública em saúde.
3 — Para além dos mecanismos mencionados, deve ser sempre contemplada a possibilidade de, a qualquer momento, serem criadas e experimentadas novas formas de participação pública.

Publicada no Diário da República, 1.ª série nº 172 de 9 de setembro de 2019, Pág. 87- 90.

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